sábado, 7 de setembro de 2019

Orazio Maria Gnerre: "Não existem forças capazes de representar coerentemente os interesses populares na Europa".

Orazio Maria Gnerre é Doutor em Ciências Políticas pela Universidade Católica do Sacro Cuore de Milão e é um dos mais recentes autores da Chiado Editora. Para assinalar o lançamento em Portugal da obra "Antes que o mundo fosse", o S na Rede fez uma pequena entrevista com o autor italiano sobre a política europeia e como ela mudou ao longo dos séculos.
"Antes que o mundo fosse" é um livro que fala sobre genealogia do decisionismo no início do século XX e levanta a hipótese levanta a hipótese que o liberalismo do início do século passado erradicou todo tipo de soberania.
"Já lido com a política e os autores que definem as teorias antimoderna e anticapitalista há anos e mesmo sendo de escolas diferentes eles têm em comum uma espécie de crítica radical. Este livro vem dos meus estudos sobre a questão da soberania, entendida como a disposição política do mundo, tal como se situava no início do século XX. A pergunta que surge no livro, e que obviamente tem uma resposta afirmativa, é: existem precursores do tipo de pensamento baseado na 'decisão'? Creio que esses precursores são todos aqueles autores que, de uma maneira ou de outra, redescobriram no século XVIII, através da cultura ocultista, os ensinamentos dos Padres da Igreja sobre a natureza do poder divino, a partir do qual todos os atributos simbólicos de poder humano desce. Claramente, é um problema não apenas filosófico ou histórico de ideias, mas também filológico e até antropológico", explica Orazio Gnerre sobre o motivo que o levou a fazer este livro que para além de fazer a habitual abordagem política também dá um especial enfoque a filosofia e a questão psicológica.
Numa altura em que caminhamos a 'passos largos' para as eleições portuguesas e com a política europeia em "ebulição" devido a um Brexit do qual muito se fala mas (pelo menos até ao momento), Gnerre fala sobre o estado da 'nossa' política e dos 'nossos' políticos.
"Sigo com interesse a política europeia e, portanto, também a portuguesa. Na minha opinião, não existem forças capazes de representar coerentemente os interesses populares na Europa, e infelizmente este também é o caso de Portugal. Um dos elementos que mais identifica de perto a política europeia contemporânea, incluindo a de Portugal, é a participação decrescente, que é a prova de que a população está se desapaixonando pelas instituições actuais. Infelizmente, hoje parece haver uma espécie de dicotomia imposta entre 'populistas' e partidos institucionalizados, mas essa oposição não diz nada sobre as políticas reais desses partidos", diz o autor que também alerta para o verdadeiro significado que do termo 'populista', que é cada vez mais utilizado em política e que muitas vezes funciona como um termo pejorativo.
"Todos os partidos realmente democráticos devem criar uma parceria com o povo. Actualmente o termo "populismo" é associado a tentativas demagógicas mas não podemos esquecer que na Europa e em Portugal lutamos pela democracia. Por um lado, os ideólogos liberais nos dizem como as instituições são mais importantes do que as populares, por outro, os chamados partidos "populistas" (mas dissemos que seria melhor chamá-los demagógicos) não se importam com os interesses reais das massas. Precisamos de outra coisa que possa nos levar à falência principalmente moral da actual condição política", alerta Orazio Gnerre.
Quando pensamos em soberania falamos em independência e na capacidade de sermos capazes de controlar o nosso destino. Este é um conceito que mudou muito ao longo dos séculos e muitos daqueles que atacam a União Europeia dizem que esta matou a soberania de cada um dos seus estados-membros.
"A primeira forma de soberania foi a monárquica, aquela em que um aristocrata tinha capacidade de tomar decisões e não estava vinculado a nenhuma restrição normativa. A soberania nacional é relativamente recente e surge com as formulações teóricas de Bodin. O ponto é voltar a reflectir sobre o problema da soberania, também e acima de tudo contra os abusos que são feitos com esse termo. Até o momento, digo isso com certeza, não é possível uma administração soberana da política no nível muito limitado do estado nacional, e é também por esse motivo que, muitas décadas atrás, começaram a nascer federações supranacionais. Um exemplo disso é a criação da União Soviética, mesmo antes da União Europeia. Mas a questão deve ser colocada nestes termos: a actual União Europeia é verdadeiramente soberana? O ponto não deve ser tanto a transferência ou não da soberania para órgãos supranacionais, mas a possibilidade de esses órgãos serem capazes de administrá-lo realmente. Pessoalmente, sou a favor de uma verdadeira integração europeia, que ocorre principalmente em bases políticas. A Europa, mesmo antes de ser um projecto civil, é a nossa civilização comum. Vivemos em um mundo que está agregando cada vez mais povos com base no conceito de civilização comum. É assim que a China é administrada, que é um estado 'multinacional' de acordo com sua constituição, é o que a Federação Russa está fazendo com suas instituições internacionais, esse foi o projecto da Unasul na América Latina, sem mencionar o projeto pan-africanista. É legítimo e desejável que aconteça o mesmo na Europa. O problema é que a atual União Europeia não foi concebida como uma unidade política, mas como um mercado comum, e o mercado é o oposto da sociedade. A sociedade está unida por uma restrição de solidariedade determinada pelo bem comum, mas o mercado é baseado no princípio da concorrência. Com isso, não quero dizer que a eliminação das barreiras tarifárias entre os países da UE não seja positiva, mas que esses últimos deveriam repensar radicalmente a si mesmos como uma unidade política. Até que a UE faça isso, as fatias de soberania que os estados renderão a seu favor serão acumuladas não por uma nova instituição política que tenha o interesse colectivo no coração, mas pelos mestres dos fluxos económicos", conta sobre a origem da palavra soberania e sobre como a mesma é vista actualmente.
"Antes que o mundo fosse" é o mais recente livro da Chiado Editora mas não é o único da autoria de Orazio Gnerre. O Doutor em Ciências Políticas também é o responsável por "Dialogue on conflict", que aborda a transição entre um mundo centrado na hegemonia americana para uma multipolaridade de pensamentos, que será publicado em breve em Portugal.

Link relacionado: https://snarede5.blogspot.com/2019/08/antes-que-o-mundo-fosse-e-mais-recente.html

De: Andreia Rodrigues.

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